sábado, 7 de março de 2009

contos

A primeira vez que se viram foi numa noite calma de verão. Esperava uma amiga que, como sempre, se tinha atrasado.

Quando ele passou, cruzaram o olhar. Nada mágico, nenhum aperto no estômago. Embora fosse tão impressionante que a fez virar-se para o apreciar, eram apenas dois estranhos que se cruzaram numa cidade onde vivem tantos outros. A Rita chegou e não tornou a pensar nele. Não queria saber de homens, atracções, relações! Estava farta de desilusões, amarguras. Queria divertir-se, dançar. Sobretudo dançar!

Na discoteca, enquanto se abanava freneticamente ao som da música, espantando frustrações e tristezas, voltou a vê-lo.

Dançava bem. Seguro de si. Sem aquela vergonha de alguns homens que pensam que o facto de ter ritmo e sensualidade lhes pode colocar em causa a masculinidade!

Observou-o, de forma discreta, ou pelo menos achava que sim, até que Rita lhe dá um toque no ombro
- Rapariga, nem eu costumo ser tão óbvia!
Corou, protegida pelo jogo de sombra e luz que as envolvia.
-Não sei do que falas... Tentou disfarçar.

Ele aproximou-se, ainda dançando, e agarrou-lhe a mão. Dançaram juntos, ao mesmo ritmo, os corpos tão perto e sicronizados, que pareciam um só. Durante horas não trocaram palavra e, embora quisesse vê-lo, evitava-lhe o olhar. A a timidez sobrepunha-se à vontade!

Quando ele se inclinou, para lhe dizer qualquer coisa, fugiu. Refugiou-se na casa de banho, cheia de raparigas e mulheres, retocando maquilhagem, trocando confissões, ou apenas esperando, numa dança contorcionista, até que a sua vez chegasse.

Esteve ali uns largos minutos, desejando que Rita se tivesse apercebido da manobra de recuo. Mas a amiga não aparecia e acabou por ter que sair para procurá-la.

Mal cruzou a porta sentiu uma mão no ombro.

- Estás bem? Desapareceste tão depressa. Fiquei preocupado.

Durante dois segundos, que lhe pareceram muito mais que isso, ficou imóvel, sem se virar, pensando o que poderia responder. E apenas lhe saiu um atabalhoado

- No portuguese. No speak.

Ele repetiu-lhe as mesmas palavras em inglês, primeiro, depois em francês, italiano, espanhol...

Já mortificada, porque não conseguia mentir, atirou-lhe com um

-Me go. E fugiu novamente.

Encontrou Rita e obrigou-a a correr toda a noite, num jogo infantil e ridículo, em slalom pela pista cheia, apenas para conseguir evitá-lo.

Quando finalmente se fartaram e deram a noite por terminada, foram buscar os casacos.

O empregado perguntou-lhe quantos casacos eram e depois de responder, virou-se para confirmar que Rita não tinha sido engolida pela multidão que se amontoava atrás de si, e ali estava ele, com um sorriso trocista.

- Afinal you speak portuguese very good... Disse, ainda com aquele ar de gozo.

- Não te preocupes. Foi a rejeição mais creativa que tive até hoje!

O seu intímo gritava "Qual rejeição?! Cobardia...". Os homens demasiado atraentes e seguros de si sempre a tinham assustado. Faziam-na sentir-se pequenina e insegura. Falta de auto-estima dirão alguns. Seria...

- Posso deixá-las nalgum lado?

- Não. Disse ela quase sem pensar.

- Sim. Ouviu a seu lado.

Traidora! Amanhã vais ter que me ouvir.

Ele ria, com aquele ar de quem sabe qualquer coisa que mais ninguém sabe.

- Em que ficamos? Sim, não, nim? E se fossemos saindo, para esta gente simpática também receber os seus casacos? Discutimos essa diferença de opiniões lá fora.

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